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18 de Abril de 2024

Breve Histórico sobre Bem de Família

há 9 anos

Breve Histrico sobre Bem de Famlia

Debruçando-se em uma análise histórica do Direito Civil, percebe-se que o seu produto advindo da Revolução Francesa foi eminentemente liberal. Inegavelmente o Brasil experimentou a influência do denominado Código Napoleônico. Neste cenário, fundava-se o direito privado em uma sólida base patrimonialista (ter), com clara homenagem à propriedade privada e ao pacta sunt servanda (obrigatoriedade dos contratos).

O Direito Civil de então era atemporal, estático, compartimentalizado e não sensibilizado com as questões de ordem pública, ou mesmo existenciais. A vontade era elevada a um dogma, capaz de obrigar. O Estado não tinha autorização para interferir nas manifestações de vontade, sob nenhum pretexto ou motivo.

Com o passar do tempo, o Direito Civil deixa de ser atemporal e passa a ser influenciado pelos ideais sociais. Surge o neoconstitucionalismo. Os direitos fundamentais, lastreados na dignidade humana, ensejam nítida influência nas relações particulares. Analisando sob a ótica nacional, este fenômeno é asseverado com o advento da Constituição Cidadã de 1988. Aqui se verifica, claramente, a migração do direito privado do pilar do ter para o ser. Há uma mudança de cento e oitenta graus. Surge a necessidade de revisitação dos clássicos institutos patrimonialistas, funcionalizando-os, com vista à dignidade da pessoa humana e do solidarismo social.

Fala-se, por conseguinte, na repersonificação e despatrimonialização do Direito Civil, em busca da promoção do valor fonte da Dignidade da Pessoa Humana.[1]. Neste fecundo cenário para novas ideias e ideais, propugna o festejado Professor Paranaense Luiz Edson Fachin[2] a defesa de uma nova tese. Segundo ele, a promoção da dignidade da pessoa humana exige, para a sua concretização, a existência de um patrimônio mínimo. Em sentido análogo, posiciona-se Ana Paula Barcellos[3], utilizando-se da expressão mínimo existencial. Ou seja: para viver dignamente todo ser necessita do mínimo de habitação, vestuário, lazer, cultura, moradia, alimentação, etc.

Em certa medida, esta irradiação dos valores fundamentais às relações privadas (Teoria da Irradiação) prestigia a eficácia horizontal destes mesmos direitos em um sem número de matizes.

O patrimônio é funcionalizado como um verdadeiro instrumento de cidadania. Assim, nada mais sensato do que separar uma parcela básica, mínima do ter (patrimônio), para atender às necessidades elementares do ser (pessoa humana).

Malgrado o paradigma da responsabilidade patrimonial[4]ex vi o art. 391 do CC – é cediço que o patrimônio do devedor não deve ser reduzido a pó, retirando dele o mínimo existencial para a sua subsistência. Um dos exemplos mais marcantes na prática forense nacional sobre este assunto é a tutela do bem de família[5] (Lei nº 8.009/90 e CC arts. 1.711 usque 1.722).

De outra banda, partindo para a gênese do bem de família, indo a períodos mais distantes, afirmam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho[6] que o primeiro antecedente histórico do instituto é o Direito Romano. Neste, em razão da forte raiz religiosa familiar, entendia-se a alienação de bens familiares como motivo de enorme desonra. Era na propriedade familiar que os antepassados – considerados deuses familiares – eram adorados e cultuados, segundo as informações de Fustel de Coulanes[7].

Ainda em um mergulho histórico, recordam Carlos Roberto Gonçalves[8] e Paulo Lobô[9] que o primeiro marco legislativo internacional mais efetivo sobre o tema surgiu no Estado do Texas, após a sua independência do México e antes de sua incorporação aos Estados Unidos, a qual apenas aconteceu em 1.845.

Naquele cenário, em virtude de uma devastadora crise econômica, foi promulgada no dia 26 de janeiro de 1.839 a Lei do Homestead act, asseverando a isenção da penhora da pequena propriedade residencial do devedor.

O Texas, como dito, passava por uma severa crise. Para que se tenha uma noção, recordam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho[10], entre 1837 e 1839 cerca de 959 (novecentos e cinquenta e nove) bancos ali situados fecharam, computando-se 33.0000,00 (trinta e três mil) falências. Foi dentro deste terrível cenário que surgiu, nos Estados Unidos da Aémica, mais precisamente no Texas, a homestead act, afirmando a impenhorabilidade da propriedade rural, bem como a impenhorabilidade dos instrumentos de trabalho. Esta impenhorabilidade se referia as áreas de até 50 (cinquenta) hectares na zona rural, ou do terreno urbano não superior a $ 500,00 (quinhentos dólares).

Sob a perspectiva sociológica, importa reconhecer que esta atitude legislativa da época reaqueceu a economia e fixou o homem na terra.

A normatização texana logo iluminou outros estados americanos e, até mesmo, países, a exemplo da Suíça, Espanha, Portugal, Chile e Brasil. Com batismos diferentes, todos estas nações abraçaram a ideia do mínimo existencial e a tutela do ser, reconhecendo a necessidade de preservação da moradia digna, incorporando o preceito no seus respectivos ordenamentos jurídicos. Já há, até mesmo, quem defenda uma espécie de bem de família internacional, como lembram Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho[11].


[1] Aqueles que estejam desejosos de se aprofundar sobre a Constitucionalização do Direito Civil e a nova ótica do ser, em detrimento do ter, devem buscar o específico capítulo desta coleção, situado na Parte Geral. Lá são noticiados, de forma referida, as novas ideias sobre este importantíssimo fenômeno.

[2] Sobre o tema, interessante a consulta a excelente obra do Professor Paranaense: O Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

[3] Sobre o tema, interessante a consulta a excelente obra da Professora: A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

[4] Aqueles que desejam se aprofundar acerca do assunto responsabilidade patrimonial, indica-se a consulta ao volume de Obrigações e Responsabilidade Civil, a qual dedica espaço específico a este tema.

[5] Fala-se em um dos exemplos porque há outros, como o rol de impenhorabilidades do Código de Processo Civil (art. 649 e ss.).

[6] Novo Direito Civil. Parte Geral. 15 edição. Pág. 323.

[7] In Cidade Antiga.

[8] Op. Cit. Pág. 558.

[9] Op. Cit. Pág. 396.

[10] Novo Direito Civil. Parte Geral. 15 edição. Pág. 323.

[11] Novo Direito Civil. Parte Geral. 15 edição. Pág. 323.


Autor: Roberto Figueiredo.

Fonte: http://www.portalcarreirajuridica.com.br/noticias/breve-historico-sobre-bem-de-família-por-roberto-f...

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