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26 de Abril de 2024

A teoria do avestruz ou da cegueira deliberada pode ter aplicabilidade no Direito do Trabalho?

há 10 anos

A teoria do avestruz ou da cegueira deliberada pode ter aplicabilidade no Direito do Trabalho

No Direito Penal:

A teoria do avestruz ou da cegueira deliberada (willful blindness ou conscious avoidance doctrine) propugna que a ignorância deliberada equivale ao dolo eventual, não se confundindo com a mera negligência (culpa consciente). Busca-se, então, punir o agente que se coloca, intencionalmente, em estado de desconhecimento ou ignorância, para não conhecer detalhadamente as circunstâncias fáticas de uma situação suspeita.

Nas palavras de Bruno Fontenele Cabral:

"Há situações em que o agente finge não enxergar a ilicitude da procedência de bens, direitos e valores com o intuito de auferir vantagens. Comporta-se como uma avestruz, que enterra sua cabeça na terra para não tomar conhecimento da natureza ou extensão do seu ilícito praticado.”¹

No Direito do Trabalho:

No Direito do Trabalho tem sido aplicada para a imputação de responsabilidade a um determinado beneficiário de uma cadeia produtiva (estrutura reticular) que fecha os olhos diante da precarização do trabalho evidenciada.

É o locupletamento oriundo do chamado “lucro injusto”.

Noutros dizeres, tem-se a ideia de que a cegueira opcional não pode ser arguida para se imiscuir das obrigações de cunho social, caracterizando-se a conduta omissa do tomador dos serviços em nítida fraude aos preceitos trabalhistas.

Cita-se notícia veiculada no Jornal Carta Forense:

02/04/2013 por CF

Quando pensamos em trabalho escravo, logo nos vem à cabeça imagens que vimos nos livros de história, ilustrando a triste condição a que os negros foram submetidos durante séculos em várias nações, dentre elas o Brasil, onde, vergonhosamente, perdurou mais que nas outras. A escravidão na forma que conhecemos não existe mais, mas o seu conceito é aplicado aos dias de hoje com uma nova roupagem e de forma tão cruel quanto.

Estivemos com o Procurador do Trabalho Luiz Carlos Michele Fabre, vice coordenador nacional de erradicação do trabalho escravo. Ele nos falou da triste realidade do trabalho escravo na cidade de São Paulo e qual a dinâmica de prevenção e combate por parte, dos membros do Ministério Público laboral.

Basicamente, o trabalho escravo na 2ª Região está concentrado na área Têxtil e na Construção Civil. Nesta reportagem nos direcionaremos a estas duas áreas especificamente, ainda que o tema em sede nacional seja muito mais vasto, com desdobramentos diversos, que renderiam outras pautas.

A escravidão na área têxtil foi muito exposta na mídia nos últimos tempos, sobretudo em razão do envolvimento de empresas detentoras de marcas de grife. As vítimas, nestes casos, são estrangeiras, oriundas de países como Bolívia, Peru e Paraguai.

Em seus países de origem são aliciadas para trabalhar em oficinas de costura, com promessas de melhores oportunidades. Quando chegam em São Paulo já possuem uma dívida de US$ 1500,00 (mil e quinhentos dólares) com os seus agenciadores.

São empilhadas em casas transformadas em cortiços, sem as mínimas condições dignas para habitação. Sem recursos, veem a dívida aumentando com a moradia e alimentação “subsidiadas”.

Recebem um salário médio de R$ 400,00 por mês, numa jornada que vai das sete da manhã até meia noite, seis dias por semana, de segunda a sábado. Passam um período de três meses de experiência, quando seus vencimentos são destinados integralmente ao pagamento das dívidas da viagem. Desconhecem a língua portuguesa, sendo que muitos sequer falam espanhol, pois são oriundos de regiões onde se comunicam através de dialetos indígenas.

Quando estragam uma peça de roupa é descontado de seus salários o valor da loja, de vitrine, e não o de custo. Diz o procurador Fabre que dos trezentos mil estrangeiros que chegaram nestas situações, somente um terço está de forma regular. Como com os imigrantes europeus do final do século XIX, que aportavam em Santos, rumo às fazendas de café e se endividavam nos armazéns, a história se repete.

A cadeia criminosa funciona da seguinte forma: As vítimas vêm diretamente para as “instalações” de um oficineiro, que normalmente é uma pessoa que chegou nas mesmas circunstâncias e conseguiu transitar da posição de vítima para escravizador. Este é terceirizado por confecções maiores, muitas cujos donos são sul coreanos, que intermediam o produto para a ponta final, com a função de colocar o produto no mercado, ou seja, para as grandes grifes.

O Ministério Público do Trabalho - MPT trabalha juntamente com outros órgãos, como Ministério do Trabalho, Polícia Federal, Receita Federal, Defensoria Pública da União e Secretaria do Estadual de Justiça para localizar os focos e extinguir a situação ilegal. Mais de noventa por cento dos casos terminam em Termo de Ajustamento de Conduta, de forma que tanto a empresa como os trabalhadores possam continuar operando, só que de forma digna e dentro da lei. As vítimas, embora em situações lastimáveis, veem na ocasião a única oportunidade de uma vida melhor, levando em consideração a falta de perspectivas de trabalho e esperança em seus locais de origem.

A estratégia de combate é começar de cima para baixo, fazendo com que as grandes grifes não subsidiem este tipo de conduta, provocando a quebra de toda a cadeia. Estas grandes empresas sempre afirmam que desconheciam tais práticas por suas parcerias, mas o membros do MPT aplicam para responsabilizá-las a denominada “teoria da Cegueira Deliberada”, também conhecida como teoria do avestruz, segundo a qual o maior beneficiado, embora não tenha um contato direto com a conduta ilegal, faz vistas grossas a um fato conhecido no ramo, que não teria como ser ignorado em razão dos preços bem baixos pagos pelas peças têxteis encomendadas, o que evidencia que do outro lado só pode haver uma parte sendo prejudicada, qual seja, o trabalhador.

Na construção civil, empreiteiras menores terceirizadas por grandes construtoras trazem trabalhadores da região Nordeste e os acumulam em canteiros de obras. Sem quaisquer recursos, têm suas carteiras de trabalho e vencimentos retidos, trabalhando horas a fio sem ter seus direitos sociais observados. Em um caso, uma empresa foi processada pelo MPT por manter aproximadamente quarenta vítimas nestas condições e o procurador pediu uma indenização por danos morais coletivos no valor de cem milhões de reais. Hoje vigora a Instrução Normativa 76/2009, chamada de Certidão Declaratória de Transporte de Trabalhadores. Com este documento exigido pelas autoridades haverá mais controle através da análise das características do contrato de Trabalho.

Não é só a dignidade da pessoa humana a preocupação do Ministério Público do Trabalho, mas também o equilíbrio econômico afetado pela concorrência desleal que estes infratores praticam contra empresas que seguem a lei. Da mesma forma, são focos da atenção a proteção de pisos salariais dos trabalhadores nacionais e o controle do fluxo migratório desordenado. É triste que em pleno ano de 2013 existam versões modernas de mercadores de escravos, mas ainda bem que também temos as versões dos novos abolicionistas.”²


1- http://jus.com.br/artigos/21395/breves-comentarios-sobreateoria-da-cegueira-deliberada-willful-blindness-doctrine

2- http://www.cartaforense.com.br/conteudo/out_site/coordenadoria-de-erradicacao-de-trabalho-escravo--ministério-público-do-trabalho-2a-regiao/10803


Fonte: http://www.magistradotrabalhista.com.br/2013/11/teoria-do-avestruz-aplicabilidade-no.html

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