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26 de Abril de 2024

Especial: Decisões históricas condenam fazendeiros e usineiros por danos morais coletivos e dumping social

há 9 anos

Caso 1: Responsabilidade social do empregador e desenvolvimento sustentável balizam condenação

Um ex-produtor rural foi condenado a pagar indenização por dano moral coletivo no valor de R$15 mil reais por irregularidades trabalhistas constatadas na fazenda que explorava em Buritis-MG. A decisão é da 5ª Turma do TRT-MG, ao confirmar a sentença da VT de Unaí que atendeu a pedido do Ministério Público do Trabalho em sede de Ação Civil Pública. O voto foi proferido pelo desembargador Márcio Flávio Salem Vidigal.

A ação foi ajuizada em 17/05/2013 e denunciava condições de trabalho irregulares flagradas pela fiscalização pelo Ministério do Trabalho e Emprego - MTE, no ano de 2010. No entanto, o réu apontado, produtor rural que explorava a fazenda à época, não pôde ser condenado a cumprir obrigações de fazer e não fazer. Isto porque ele transferiu a fazenda em julho de 2012 para outra pessoa. Esse fato ficou cabalmente provado nos autos, razão pela qual o relator deu provimento ao recurso do réu para absolvê-lo da condenação que havia sido imposta em 1º Grau.

Por outro lado, os julgadores mantiveram a decisão no que tange à condenação por dano moral coletivo no valor de R$15 mil. Para o relator, as condições de trabalho irregulares ocorridas na vigência de contrato de trabalho em que o réu figurava como empregador justificam a medida, considerando o descumprimento contumaz da legislação trabalhista. Dentre as irregularidades, foi constatada a prorrogação irregular da jornada; a não adoção de medidas para garantir a segurança e saúde dos trabalhadores; a manutenção de insumo agrícola sem observar o disposto na NR-11; a falta de fornecimento de EPI´s; e a falta de capacitação de empregados. "O dano não se apaga, ele foi consumado pela não observância da legislação trabalhista pelo autor enquanto produtor rural", concluiu o relator no voto.

O magistrado explicou que a caracterização do dano moral coletivo está ligada à ofensa a direitos difusos e coletivos, socialmente relevantes, de caráter não patrimonial. Por exemplo: quando o descumprimento da legislação trabalhista está relacionado a normas de segurança no trabalho, expondo os trabalhadores daquela coletividade a riscos iminentes, ou no caso de trabalho escravo e infantil. Para ele, essas violações lesam direitos fundamentais constitucionais, como a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho - fundamentos do Estado Democrático de Direito - atingindo toda a sociedade.

No voto, o desembargador faz uma reflexão sobre a responsabilidade social do empregador. Ele ponderou que as irregularidades experimentadas pelos trabalhadores brasileiros são dignas de consternação social. E chamou o reclamado à responsabilidade, destacando que ele não poderia se esquecer do lado social da empresa e do dever de conduta a impedir a adoção de práticas voltadas à degradação da segurança e saúde dos trabalhadores. E esse dever alcança, de um modo geral, toda sociedade, inclusive ao meeiro, parceiro, sócio, colaboradores, ou mesmo para empresas tomadoras de serviços terceirizados. Nesse sentido vem entendendo a jurisprudência da Justiça do Trabalho.

"A Responsabilidade Social nas empresas significa uma visão empreendedora mais preocupada com o contexto social em que a empresa está inserida, e passa pela conscientização dos empreendedores e administradores, que não podem ter mais o lucro como o fim em si mesmo. Não se pode olvidar que a forma de gestão empresarial evoluiu no decorrer das décadas, e hoje se define pela relação ética e transparente da empresa e do empregador pessoa física com todos os públicos com os quais se relaciona ¿ público interno e externo - e pelo estabelecimento de metas compatíveis com o desenvolvimento sustentável, preservando recursos ambientais e culturais, respeitando a diversidade e promovendo a redução das desigualdades sociais", registrou, ainda, no voto, pontuando que o Estado já não consegue mais atender sozinho a todas as demandas. É preciso que ele divida sua responsabilidade com as empresas e empreendedores individuais.

Ainda sobre a responsabilidade da empresa, o julgador pontuou que o empreendimento descompromissado com as políticas sociais e preservacionistas mina o meio ambiente e, mais propriamente dito, o meio ambiente de trabalho, como no caso.

E foi considerando todo esse contexto que reconheceu a existência de dano "incômodo moral" com gravidade suficiente a atingir não apenas o patrimônio jurídico dos trabalhadores envolvidos, mas o patrimônio de toda a coletividade, caracterizado pelo descumprimento de norma relativa à segurança e saúde dos trabalhadores.

A pretensão do MTB de que o valor da indenização fosse majorado foi rejeitada, por entender o magistrado que a quantia de R$15 mil está em conformidade com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Principalmente considerando que o réu se encontra em idade avançada, e mesmo em face das infrações em si constatadas. A indenização foi revertida ao Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT. ( 0000556-45.2013.5.03.0096 ED )

Caso 2 - Dumping social: afronta aos direitos da coletividade Em outra decisão, que teve como base o voto da desembargadora Maria Laura Franco Lima de Faria, então atuando na 1ª Turma do TRT de Minas, foi confirmada a condenação de um grupo econômico formado por uma empresa de alimentos e uma usina açucareira ao pagamento de indenização por dano moral coletivo. O valor que havia sido fixado em 1º Grau foi reduzido para R$1 milhão, por entenderem os julgadores ser essa quantia mais razoável. Na fixação do valor foi levada em consideração a prática de dumping social.

Por dumping social entende-se a circunstância em que o empregador, burlando a legislação trabalhista, acaba por obter vantagens indevidas, através da redução do custo da produção, o que acarreta maior lucro nas vendas.

Na situação analisada, ficou demonstrado que a rés desrespeitaram, flagrantemente, a legislação que garante aos trabalhadores os mais elementares direitos. Abusos como a prestação excessiva de horas extras, a falta de EPIs e ferramentas, as inexistência de instalações sanitárias adequadas e de local para realização das refeições, a não disponibilização de recipientes para guarda e conservação dos alimentos, o não fornecimento de quantidade suficiente de água potável, dentre outros. Conforme observou a relatora, além de submeterem seus empregados a jornadas exaustivas na lavoura de cana de açúcar, as empresas desprezaram, sem a menor cerimônia, importantes normas de saúde, segurança e higiene do trabalho, colocando em sério risco a saúde e a integridade física dessas pessoas. Ela lembrou que não é à toa que vários deles tiveram suas vidas ceifadas, em razão das péssimas condições de trabalho, além de tantos outros acidentes não fatais.

"O tratamento aviltante dispensado pelas rés aos seus trabalhadores reduziu-os à condição análoga à de escravo - conceito que, modernamente, não se restringe apenas ao trabalho forçado, sem liberdade de locomoção, alcançando, também, a submissão a jornadas excessivas e a condições degradantes de trabalho, conforme a literalidade do art. 149 do Código Penal", registrou a magistrada na decisão. Para ela, as rés trataram seus empregados como meros instrumentos do processo produtivo, desconsiderando, por completo, sua condição de seres humanos.

Conforme ponderou a julgadora, esse desrespeito atenta contra valores que são caros à coletividade de trabalhadores e também à sociedade, como um todo: a dignidade da pessoa humana e a valorização social do trabalho, princípios erigidos pelo art. 1º da Constituição ao nível de fundamentos da República. Por isso, ela explicou que o dano moral ultrapassa o simples universo dos empregados das rés, diretamente prejudicados, causando o repúdio de toda a sociedade, que vê frustrada sua pretensão de ser "livre, justa e solidária", sem pobreza, marginalização e desigualdades, como almeja o artigo 3º da Constituição da República.

A prática de dumping social foi utilizada como parâmetro para a fixação dos danos morais coletivos. Isto porque, segundo a desembargadora, ao deixarem de observar as normas de segurança e medicina do trabalho, as reclamadas reduziram os custos de sua produção - à custa da saúde e dignidade de seus empregados - obtendo maior lucratividade e competitividade no mercado sucroalcooleiro. "Essa prática nociva e desleal é repudiada pelo ordenamento brasileiro", pontuou no voto. Por considerar que se confunde com o dano moral coletivo, a questão foi considerada incluída na indenização deferida, suficiente para compensar todos os malefícios (difusos e coletivos) acarretados pelos atos antijurídicos das rés.

Ainda que reduzindo o valor da indenização para R$1 milhão, os julgadores mantiveram a sentença quanto à destinação do valor: 40% ao FAT, que custeia o seguro desemprego e o abono do PIS; 50%, para construção de escolas ou postos de saúde; instituições beneficentes de saúde e para a aquisição de bens ou equipamentos destinados à população carente; e 10% do para a compra de equipamentos ou veículos para o Ministério do Trabalho e Emprego em suas ações rurais com o fim de combate ao trabalho degradante, tudo conforme definido na sentença.

( 0001185-34.2012.5.03.0070 AIRR )

Caso 3: Danos morais coletivos e a responsabilidade das beneficiárias dos serviços No caso analisado pela 7ª Turma do TRT-MG, com base no voto do desembargador Marcelo Lamego Pertence, os empregados de uma fazenda de produção de carvão situada na zona rural do Município de Juvenília-MG foram encontrados em condições aviltantes e desumanas de trabalho, consideradas análogas às vividas pelos escravos. O interessante no julgamento dessa Ação Civil Pública foi que tanto os donos da fazenda quanto as empresas de aço e siderurgia, que se valiam da produção, foram condenados ao pagamento de indenização por danos morais coletivos. A decisão de 1º Grau nesse sentido foi confirmada pela Turma de julgadores, que ainda elevou a indenização por para R$200 mil.

As empresas foram condenadas de forma subsidiária por terem se beneficiado dos serviços prestados pelos trabalhadores. Os julgadores consideraram que as funções por eles exercidas, dada a sua natureza, estavam incluídas na atividade principal das reclamadas, uma vez que o ferro gusa, produto final das rés, pressupõe a produção do carvão.

Tudo começou quando, no final do ano de 2007, após denúncia realizada por um dos trabalhadores no DETRAE (Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo), foram realizadas fiscalizações na Fazenda, que se destinava à exploração do carvoejamento de mata nativa. Os auditores fiscais do trabalho constataram que havia um grupo de mais de dez empregados trabalhando em condições análogas à de escravos.

As irregularidades encontradas foram inúmeras, como carteiras de trabalho sem anotação e falta de pagamento de salários. Também não eram fornecidos EPIs. Alguns trabalhadores foram encontrados descalços e em alojamentos precários: os empregados residiam em barracões de pauapique, lonas pretas ou palhas que eles próprios construíam, em piso de terra batida, sem atendimento às exigências da NR-31. Os fiscais apuraram que um dos trabalhadores prestava serviços há mais de 10 anos nessas condições. Ele foi aliciado pessoalmente pelos fazendeiros réus em outra cidade, juntamente com a esposa e os filhos.

Não existiam instalações sanitárias adequadas. Os empregados satisfaziam suas necessidades fisiológicas "no mato" e tomavam banho ao ar livre, utilizando baldes e bacias, atrás dos barracões e sem nenhuma privacidade. Os fiscais registraram que as mulheres e crianças também estavam submetidas à mesma situação. Não havia sequer água potável para consumo próprio e para cozinhar alimentos no fogões improvisados a céu aberto. Também não havia exame de saúde admissional ou ocupacional e nem treinamentos para os empregados que operavam a motosserra. Por fim, os auditores encontraram um menor de idade trabalhando e um empregado enfermo há, pelo menos, 7 meses, vivendo em um barracão sem qualquer higiene, conforto ou privacidade e sem receber benefício previdenciário, já que a carteira não foi anotada.

No processo, ficou evidente que a produção do carvão vegetal se dava exclusivamente para as empresas rés, que exerciam ingerência e fiscalização direta sobre a fabricação do insumo. O desembargador não acreditou que as tomadoras dos serviços não tivessem conhecimento das deploráveis condições vivenciadas pelos trabalhadores e repudiou o fato de as empresas não terem tomado providências para reverter o triste cenário com o qual se depararam os auditores fiscais. Na avaliação do julgador, seria o caso até de reconhecimento do vínculo de emprego diretamente com as empresas rés. Mas como não houve pedido nesse sentido, foi mantida a responsabilidade subsidiária reconhecida em 1º Grau.

De acordo com as conclusões expostas no voto, os réus ofenderam gravemente os princípios constitucionais da proteção da dignidade humana e do valor social do trabalho, consubstanciados nos artigos 1º, inciso III e IV, 3º, inciso I e III, 6º, 7º e 170, incisos III e VII, da Carta Magna, bem como da não submissão à tortura ou a tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III) e da proibição de imposição de pena de trabalhos forçados e cruéis (art. 5º, XLVI). Ele ponderou que a interpretação sistemática do artigo 7º, XXII, e dos artigos 6º, 196 a 200 e art. 225, § 1º, V da CR/88 realça o destaque conferido pelo constituinte à saúde do trabalhador e ao meio ambiente do trabalho digno, direitos sociais de cujo cumprimento não pode se furtar o empregador.

A decisão ressaltou também que o trabalho escravo ou degradante vem sendo combatido de há muito no ordenamento jurídico internacional. Seja no tratado internacional da Liga das Nações Unidas, de 1928, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, ou nas Convenções 29 e 105 da OIT, que dispõem sobre a eliminação e erradicação do trabalho forçado. Todos esses tratados e convenções foram ratificados pelo Brasil, lembrando o relator que o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas de 1966 e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969, todos ratificados pelo Brasil em 1992, preveem mecanismos de combate à escravidão e compromisso dos signatários em erradicá-la.

No âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, foi criada a PEC 438/2001 (PEC do Trabalho Escravo), com a previsão, no artigo 243 da Constituição de que imóveis rurais e urbanos de qualquer região do País onde for localizada a exploração de trabalho escravo sejam expropriados e destinados à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.

"O trabalho escravo é prática repugnante e intolerável, mormente em uma sociedade democrática que caminha rumo ao desenvolvimento e à justiça social. Não se pode fazer ouvidos moucos à conduta dos réus que, na contramão do ordenamento jurídico pátrio e internacional, permitiram que pessoas humildes e desprovidas de qualquer outra fonte de subsistência, que não o árduo trabalho, sofressem privações de diversos gêneros, tudo pela busca desenfreada do lucro. Cuida-se de atitudes que agridem toda uma sociedade, merecendo ser exemplarmente coibidas", registrou o julgador, ao reconhecer no caso a caracterização do dano coletivo e a lesão de bens jurídicos tutelados pela Constituição da República e que constituem direitos indisponíveis.

Ele ressaltou que essa atitude abala o sentimento de dignidade, revelando falta de apreço e consideração para com os trabalhadores daquela coletividade, tendo reflexos na sociedade. E explicou que o caráter e a intenção da reparação através do dano moral coletivo é de repressão e de desencorajamento dos atos ilícitos praticados pelo empregador.

Foi por tudo isso que os julgadores decidiram confirmar a condenação por dano moral coletivo, elevando o valor da indenização para R$200 mil. O dinheiro foi destinado a entidades públicas ou privadas que promovam atividades na região da fazenda (ou em comunidades próximas) ligadas à defesa dos direitos dos trabalhadores. Se inexistentes, o valor deverá ser repassado a entidades filantrópicas de saúde/assistência social da mesma região ou regiões vizinhas. O desembargador lembrou, no aspecto, o o Enunciado 12 da 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, cujo conteúdo é o seguinte:

"AÇÕES CIVIS PÚBLICAS. TRABALHO ESCRAVO. REVERSÃO DA CONDENAÇÃO ÀS COMUNIDADES LESADAS. Ações civis públicas em que se discute o tema do trabalho escravo. Existência de espaço para que o magistrado reverta os montantes condenatórios às comunidades diretamente lesadas, por via de benfeitorias sociais tais como a construção de escolas, postos de saúde e áreas de lazer. Prática que não malfere o artigo 13 da Lei 7.347/85, que deve ser interpretado à luz dos princípios constitucionais fundamentais, de modo a viabilizar a promoção de políticas públicas de inclusão dos que estão à margem, que sejam capazes de romper o círculo vicioso de alienação e opressão que conduz o trabalhador brasileiro a conviver com a mácula do labor degradante. Possibilidade de edificação de uma Justiça do Trabalho ainda mais democrática e despida de dogmas, na qual a responsabilidade para com a construção da sociedade livre, justa e solidária delineada na Constituição seja um compromisso palpável e inarredável".

( 0009900-65.2008.5.03.0083 AIRR )


Fonte: http://www.professorleonepereira.com.br/noticias/texto.php?item=11810

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