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26 de Abril de 2024

TRT 18ª Região: Íntegra da entrevista da psicóloga Kátia Macêdo para o Hora Extra. Ela fala sobre as vivências de prazer e sofrimento no trabalho

há 9 anos

O trabalho tem, ao longo da história, se constituído em um dos principais modos de produção da existência social e humana. As constantes e aceleradas transformações no mundo do trabalho contemporâneo trazem inevitáveis consequências para a saúde. Vivenciamos, ao mesmo tempo, prazer e sofrimento no trabalho. Mas como lidar com essa vulnerabilidade no ambiente laboral? A doutora em psicologia pela PUC de São Paulo Kátia Macêdo falou sobre o assunto ao Programa Hora Extra com enfoque na abordagem da clínica psicodinâmica do trabalho.

HE: O que vem a ser a clínica psicodinâmica do trabalho? Kátia Macêdo: Como o nome diz, é uma clínica que atua com a ideia do trabalhador e sua relação com a organização do trabalho. Ela aborda as vivências de sofrimento, as vivências de prazer, o adoecimento do trabalhador, as relações entre subordinados, as condições de trabalho, porque tudo isso interfere em como o trabalhador vivência seu trabalho.

HE: Quando o trabalho é fonte de sofrimento?Kátia Macêdo: O trabalho tem duas faces: de um lado ele constitui a identidade. O tempo todo vamos nos apresentar dizendo: “meu nome é fulano, tenho esta profissão, trabalho em tal lugar”. Então, todas as referências ou maioria das referências que as pessoas utilizam para falar de si próprias estão relacionadas com o trabalho. E além de constituir identidade, o trabalho também serve como um fator de inclusão social.

A outra face das relações do trabalho são as vivências de sofrimento, que têm aumentado. A Organização Mundial do Trabalho e a Organização Mundial de Saúde indicam que existe um aumento do número de adoecimentos relacionados ao trabalho e também de acidentes de trabalho. Então essa incidência vem aumentando em decorrência de como o trabalho vem sendo organizado. As condições de trabalho vêm sendo postas e a pressão por maior resultado, competitividade, falta de confiança e cooperação estão interferindo na saúde dos trabalhadores.

HE: A clínica psicodinâmica do trabalho estuda as estratégias de enfrentamento e transformação no trabalho em fonte de prazer. Como é que se dá isso por essa abordagem?Kátia Macêdo: Para falarmos disso a gente tem que pensar um pouquinho o conceito que Freud trouxe de sublimação. Temos que satisfazer necessidades, mas elas nem sempre podem ser aceitas socialmente, há um mecanismo inconsciente chamado sublimação que transforma aquele desejo em alguma coisa socialmente aceita. O exemplo clássico de Freud é: uma pessoa que tem muito instinto agressivo, de cortar, de perfurar, ele pode usar isso sendo um bom cirurgião. Ele obtém uma satisfação do impulso, do desejo de uma forma socialmente aceita.

Mas é inevitável que haja sofrimento. Como nós, pessoas trabalhadoras, podemos lidar com isso de uma forma que fique mais leve? Uma das grandes contribuições da psicodinâmica do trabalho é exatamente pontuar a importância da cooperação, da confiança, do trabalho com o grupo, que é uma forma de superar a ideia de competitividade, do isolamento e do individualismo que o capitalismo selvagem, podemos dizer assim, estimula nas pessoas. Então quando nós começamos a fazer intervenções na clínica do trabalho colocamos as pessoas, trabalhadores, conversando sobre o que os fazem sofrer e pensando juntos em maneiras de lidar com o sofrimento para transformar o trabalho em uma coisa mais prazerosa.

HE: E esse estudo vai depender de cada caso especificamente?Kátia Macêdo: Sim, existe uma metodologia que é uma sequência de passos que inclui esse espaço de discussão coletiva. Agora, dependendo da queixa, dos indicadores, você começa a conversar com esses trabalhadores a partir de determinados pontos, mas o principal é a fala, que liberta. As raízes da psicodinâmica vem da psicanálise. Inclusive o seu fundador, Christophe Dejours, é um médico psiquiatra e psicanalista. Ele pegou os princípios da psicanálise e trouxe para um trabalho na organização com o grupo. Então é a fala grupal que possibilita essa transformação da angústia do sofrimento em vivências de mais de cooperação, de confiança e de construção para um local de trabalho melhor. E quando o grupo consegue isso, nós estamos prevenindo o adoecimento e fortalecendo o espírito grupal.

HE: E qual o papel da liderança nesse processo? Dessa abertura, desse diálogo, quer dizer, é importante?Kátia Macêdo: Super importante. Inclusive, os chefes e supervisores são convidados a participar dos grupos de discussão coletiva. Por quê? O exercício da fala inclui o exercício do ouvir, do escutar. E o escutar, mesmo havendo diferença de nível hierárquico, o escutar como as pessoas estão percebendo as ordens, as metas, os objetivos, o tempo e como eles estão lidando com essa pressão é importante para garantir a produtividade. Então é importante que os gerentes, os supervisores, mesmo pessoas da cúpula tenham essa possibilidade de ouvir. E ao ouvir, há uma negociação com essa equipe também, que compreende também quais são as pressões que esses supervisores estão expostos.

HE: Existem atividades e profissões em que esse sofrimento no trabalho é maior?Kátia Macêdo: Existe. Nas profissões em que há um controle muito rígido dos supervisores existe uma tendência a ter maior sofrimento. Existem dois grandes indicadores de sofrimento. O primeiro, é a sobrecarga de trabalho.

Então pessoas que são submetidas a pressões, jornadas extensas ou ritmo muito acelerado, barulho muito alto, condições físicas de trabalho não agradáveis e chefias perseguidoras são mais suscetíveis.

E além disso, profissões onde não há reconhecimento. Os estudos mostram que na construção civil, as pessoas estão adoecendo, morrendo e tendo muito acidente de trabalho. Telemarketing e motoboys também estão demais. A pressão por chegar logo faz com que eles muitas vezes não obedeçam as sinalizações de trânsito e muitas vezes eles estão fora da seguridade social porque são terceirizados. Vemos também o lado perverso da organização do trabalho que tem colocado trabalhadores em risco em função só do lucro.

HE: Kátia, o mundo do trabalho é dinâmico e a relação entre capital e trabalho tem sofrido grandes alterações ao longo dos anos. Essa nova organização do trabalho levou ao aparecimento de novas doenças, novos problemas. O que se investiga hoje dentro do tema ‘sofrimento do trabalho’?Kátia Macêdo: Bom, acho que cabe um comentário sobre a principal mudança que aconteceu depois da revolução industrial. Se a gente pegar as ideias do Marx, que são anteriores a isso, vemos que antes, um artesão, por exemplo, quando pegava a matéria-prima, pensava o que iria fazer e produzia. Ao olhar para aquele objeto, o artesão iria se identificar dizendo: “Olha o que eu fiz!”. Com a Revolução Industrial, o início das máquinas, o trabalhador se torna uma peça descartável e destituído de certa forma de sua subjetividade.

E hoje a gente se depara com trabalhadores cada vez mais monitorados por câmeras e ponto digital. No telemarketing, por exemplo, os supervisores podem entrar na linha e monitorar o atendente, verificando se está certo, se não está. Isso cria uma tensão que vai para além da jornada de trabalho. Então há vários estudos demonstrando que hoje há uma invasão na vida pessoal desse modelo das relações de trabalho, que afetam as vivências familiares.

Então quando eu, como psicanalista, recebo uma pessoa no meu consultório com queixa de pânico, com depressão, com tentativa de suicídio ou ideias suicidas, uma das questões que eu sempre pergunto, me pergunto e converso com o paciente: “Você acha que isso pode ter relação com seu trabalho?”. E por incrível que pareça, à medida em que a gente vai investigando, a gente consegue encontrar o trabalho como um dos fatores desencadeantes como um dos fatores do processo de adoecimento.


Fonte: TRT 18ª Região:

Disponível em: http://www.trt18.jus.br/portal/noticias/integra-da-entrevista-da-psicologa-katia-macedo-paraohora-...

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