TRF 3ª Região: Cada vez mais o judiciário cumpre seu institucional e ético papel no combate à eutanásia canina
Leishmaniose tem tratamento, não preconceito!
DIÁRIO ELETRÔNICO DA JUSTIÇA FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Edição nº 105/2015 - São Paulo, quinta-feira, 11 de junho de 2015
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
PUBLICAÇÕES JUDICIAIS I – TRF
Subsecretaria da 6ª Turma
Acórdão 13636/2015
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0013792-50.2010.4.03.0000/MS
2010.03.00.013792-6/MS
RELATOR: Desembargador Federal JOHONSOM DI SALVO
AGRAVANTE: SOCIEDADE DE PROTEÇÂO E BEM-ESTAR ANIMAL - ABRIGO DOS BICHOS
ADVOGADO: MS009662 FABIO A ASSIS ANDREASI e outro
AGRAVADO (A): MUNICIPIO DE CAMPO GRANDE MS e outro
ADVOGADO: MS011206 CHRISTOPHER PINHO FERRO SCAPINELLI e outro
AGRAVADO (A):União Federal
ADVOGADO: SP000019 TÉRCIO ISSAMI TOKANO
ORIGEM:JUÍZO FEDERAL DA 1 VARA DE CAMPO GRANDE > 1ªSSJ > MS
No. ORIG.:00012700420084036000 1 Vr CAMPO GRANDE/MS
EMENTA
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EUTANÁSIA CANINA COMO POLÍTICA PÚBLICA DE CONTROLE DE LEISHMANIOSE VISCERAL CANINA. PROVIDÊNCIA IRREVERSÍVEL E DE EFICÁCIA CIENTÍFICA MUITO DUVIDOSA (POSSIBILIDADE DE TRATAMENTO DOS ANIMAIS). NECESSIDADE DE ELIMINAR O INSETO VETOR DO PROTOZOÁRIO, E NÃO O CÃO, QUE É TÃO VÍTIMA DA MOLÉSTIA COMO O HOMEM (EXISTÊNCIA DE OUTROS ANIMAIS QUE TEM A MESMA POTENCIALIDADE TRANSMISSIVA, MAS QUE NÃO SÃO "INCOMODADOS" PELA SAÚDE PÚBLICA). PROIBIÇÃO DO HOLOCAUSTO CANINO: AGRAVO PROVIDO.
1. Com os avanços da Ciência e a existência de medicações que parecem adequadas, o extermínio de cães doentes de Leishmaniose viral como forma de restaurar a Saúde Pública, não tem propósito e cai muito mal diante da constatação de que esse holocausto nada mais é do que triste consequência da absoluta inépcia das autoridades sanitárias em erradicar uma moléstia que é endêmica no Brasil (vitima mais do que a dengue); é mais fácil atribuir aos cães a condição de repositórios do protozoárioLeishmania chagasi transmitido pelo "mosquito-palha" e matá-los, do que atuar de forma competente para destruir os criadouros do tal mosquito.
2. Não tem o menor sentido humanitário e ofende de modo tosco e brutal o art. 225, § 1º, VII, da CF, a má conduta do Município de Campo Grande/MS em submeter a holocausto os cães acometidos de Leishmaniose viral (doença infecciosa não contagiosa), sem qualquer preocupação com a tentativa de tratar dos animais doentes e menos preocupação ainda com os laços afetivos que existem entre humanos e cães, pretendendo violar o domicílio dos cidadãos sem ordem judicial para, despoticamente, apreender os animais para matá-los.
3. Solução tão brutal quanto ineficaz: se o extermínio de cachorros como forma de combater a doença é adotado pela Saúde Pública desde 1953 (antes do suicídio de Getúlio Vargas e da inauguração de Brasília) e centenas de milhares de animais inocentes, criaturas de Deus como nós, já foram exterminados, como é que fica a eficácia dessa "forma" de controle da doença se as estatísticas da contaminação aumentam anualmente? Como é possível confiar na eficácia desse holocausto animal se dados disponíveis para consulta através da rede mundial de computadores esclarecem que por volta de 48%, dos resultados dos exames atualmente realizados nos cães tem resultado falso positivo?
4. Dos 88 países do mundo onde a doença é endêmica, o Brasil é o único que utiliza a morte dos cães como instrumento de saúde pública; ou seja, o Brasil ainda viceja numa espécie de "Idade Média" retardatária, a recordar o tenebroso surto de Peste Negra do séc. XIV, onde a preocupação é eliminar ou afastar a vítima e não o causador da doença ("mosquito-palha", nome científico Lutzomyialongipalpis) que espalha o protozoário Leishmania chagasi.
5. A ação do Poder Público - incapaz de evitar a proliferação do lixo onde viceja o mosquito vetor da doença - não impede que o proprietário ou um terceiro tratem do animal, o que pode ser feito com medicação relativamente barata (Alopurinol, Cetoconazol, Levamizol, Vitamina A, Zinco, Aspartato de L-arginina e Prednisona), sem que se precise recorrer a uma medicação específica para os animais (Glucantime) que no Brasil é proibida enquanto no mundo civilizado (Espanha, França, Itália e Alemanha) está à venda para o tratamento dos animais. A propósito do tema aqui tratado, registra-se o memorável julgamento proferido pela Quarta Turma desta Corte, que em boa hora descartou a absurda Portaria Interministerial n.º 1.426, de 11 de julho de 2008-MAPA, sinistra normatização que proibia a utilização de produtos de uso humano ou ainda não registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento para o tratamento de cães infectados pela Leishmaniose visceral. Decisão mantida pelo STF apesar das invectivas da União.
6. A decisão do STJ na AgRg na SLS 1.289/MS (arquivada) não esvazia o objeto do presente recurso no que se refere à suspensão da prática da eutanásia canina (medida irreversível), que fica, pois, proibida nos exatos termos em que foi pedido pela agravante.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado, sendo que o Juiz Federal Convocado Carlos Francisco ressalvou seu entendimento pessoal.
São Paulo, 28 de maio de 2015.
Johonsom di Salvo
Desembargador Federal
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