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25 de Abril de 2024

Revisão sobre a nova lei 13.106, que alterou o ECA - por Rogério Sanches Cunha

há 9 anos

Por Rogério Sanches Cunha

O Prof. Rogério Sanches Cunha realizou, no seu Grupo de Estudos, uma revisão acerca dos principais aspectos da nova lei 13.106/15, que alterou o ECA para tornar crime vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar bebida alcoólica a criança ou a adolescente. Sabendo da importância do estudo das novas leis, reproduzimos abaixo, no mesmo formato de tópicos utilizado pelo professor. Bons estudos:

1. Antes da Lei 13.106/15, o art. 243 do ECA punia:

Art. 243. Vender, fornecer ainda que gratuitamente, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a criança ou adolescente, sem justa causa, produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica, ainda que por utilização indevida:

Pena – detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave.

2. Agora, com a nova Lei, o mesmo artigo pune vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar, ainda que gratuitamente, de qualquer forma, a criança ou a adolescente, BEBIDA ALCÓOLICA. Além disso, o dispositivo pune, como já fazia antes da alteração, as mesmas condutas que, sem justa causa, envolvam outros produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica.

3. A alteração é pertinente porque, diante da redação anterior, o STJ vinha considerando que a conduta de fornecer de alguma forma bebida alcoólica a crianças ou adolescentes não se subsumia ao crime do ECA. Em interpretação sistemática com o art. 81 do ECA, que diferencia, em seus incisos, as bebidas alcoólicas dos produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica, a conclusão possível era pela aplicação estrita do princípio da legalidade para excluir esta conduta do âmbito do tipo do art. 243 e subsumi-la à contravenção penal tipificada no art. 63, inciso I, do Decreto-lei nº 3.688/41 (HC 167.659/MS, j. 07/02/2013).

4. Em vigor a Lei nº 13.106/15, foi revogado expressamente a contravenção penal (art. 63, I). A conduta de vender bebida alcóolica passa, agora, a se subordinar às disposições do ECA, com tratamento muito mais severo (pena de detenção de dois a quatro anos ante a prisão simples de dois meses a um ano da contravenção revogada).

5. E aqueles que venderam bebidas alcóolicas para menores antes da Lei 13.206/15? Continuam respondendo pela contravenção, pois a alteração é prejudicial para o réu, não podendo retroagir em seu prejuízo (art. 1o. Do CP).

6. Não houve abolitio criminis do art. 63, I, da Lei de Contravenções Penais? Não. Ocorreu o fenômeno do princípio da continuidade normativo-típica. Qual a diferença entre os dois institutos? Veremos:

7. A abolitio criminis não se confunde com o princípio da continuidade normativo-típica.

A abolitio representa supressão formal e material da figura criminosa, expressando o desejo do legislador em não considerar determinada conduta como criminosa. É o que aconteceu com o crime de adultério e sedução, revogados, formal e materialmente, pela Lei nº 11.106/2005.

O princípio da continuidade normativo-típica, por sua vez, significa a manutenção do caráter proibido da conduta, porém com o deslocamento do conteúdo criminoso para outro tipo penal. A intenção do legislador, nesse caso, é que a conduta permaneça proibida pelo Direito Penal. Percebe-se esse fenômeno quando a conduta de vender bebida alcóolica, permanecendo infração penal, migra da Lei das Contravenções para o ECA, como crime.

8. É comum uma contravenção penal, de repente, se transformar em crime? Aqueles que são (ou foram) meus alunos devem se lembrar:

No Brasil, infração penal é gênero, podendo ser dividida em crime (ou delito) e contravenção penal (ou crime anão, delito liliputiano ou crime vagabundo). Adotou-se o sistema dualista ou binário. Essas espécies, no entanto, não guardam entre si distinções de natureza ontológica (do ser), mas apenas axiológica (de valor).

Conclui-se, com isto, que o rótulo de crime ou contravenção penal para determinado comportamento humano depende do valor que lhe é conferido pelo legislador: as condutas mais graves devem ser etiquetadas como crimes; as menos lesivas, como contravenções penais. Trata-se, portanto, de opção política que varia de acordo com o momento histórico-social em que vive o país, sujeito a mutações.

9. No passado (década de 40), a venda de bebidas alcóolicas para menores não parecia grave. Hoje o legislador atento ao problema, percebeu que a conduta é gravíssima, merecendo maior atenção. Logo, o mesmo comportamento, que antes caracteriza contravenção, agora é crime.

Quais são as principais repercussões geradas pela mudança (uma conduta passar de contravenção para crime)? Vejamos:

10. Quanto à pena privativa de liberdade imposta

Nos termos do que disposto no art. da Lei de Introdução ao Código Penal, “Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas alternativa ou cumulativamente” (art. 1º). Percebam, portanto, que os crimes serão punidos com penas mais severas (reclusão ou detenção), enquanto as contravenções penais com penas menos severas (destacando-se a prisão simples, art. da LCP, que não segue os rigores penitenciários daquelas).

11. Quanto à admissibilidade da tentativa

A tentativa de crime é punida nos termos do artigo 14, parágrafo único, do Código Penal. Por sua vez, muito embora possa ocorrer no mundo dos fatos, a tentativa de contravenção penal não é punível, consoante disposição do artigo da Lei de Contravencoes Penais.

12. Quanto à extraterritorialidade da lei penal brasileira

Presentes alguns requisitos, é possível a aplicação da lei brasileira a crime praticado fora do nosso território, nos termos do artigo do Código Penal. Esta regra somente se aplica aos crimes, já que para as contravenções penais vige o artigo da LCP, que determina: “A lei brasileira só é aplicável à contravenção praticada no território nacional”.

13. Quanto ao cabimento de prisão preventiva e temporária

A prisão preventiva não pode ser imposta pela prática de contravenção penal por interpretação do artigo 313 do Código de Processo Penal. Esta medida cautelar restringe-se à prática de crime.

A prisão temporária, por sua vez, somente pode ser aplicada às infrações penais listadas em rol taxativo previsto no artigo , III, da Lei nº 7.960/89, rol no qual não se incluiu qualquer contravenção penal.

14. Quanto à possibilidade confisco

Somente é possível o confisco de bens que configurem produto do crime, excluída a possibilidade deste efeito penal da sentença condenatória em relação às contravenções penais.

15. Diante desse quadro, o legislador, quando pensa em criar uma infração penal, deve decidir se vai etiquetar o comportamento ilícito como crime ou contravenção penal. Na sua decisão, deve (ou deveria) considerar as diferenças acima. A sua opção pode gerar a punição (ou não) da tentativa; pode impedir (ou não) pena de reclusão ou detenção; repercute na extraterritorialidade da nossa lei; repercute, de forma direta, na possibilidade (ou não) de prisão provisória e confisco.

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Fonte: http://www.portalcarreirajuridica.com.br/noticias/revisao-sobreanova-lei-13-106-que-alterouoeca

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O Professor Rogèrio Sanches é o cara.Um excelente docente, muita saudade das suas aulas de Direito Penal - Parte Especial, explica a matéria de forma didática e com tenacidade. continuar lendo